
No nosso primeiro café analítico contamos com a presença de Wallysson Soares, formado em Letras, mestrando em Literatura e pesquisador da literatura contemporânea e do pensamento da desconstrução. Convidei Wally para esse bate-papo por duas razões. Porque o diálogo entre psicanálise e literatura sempre se fez de extrema relevância para o desenvolvimento de ambos. Tanto Freud como Lacan chegam a declarar que os artistas estão um passo à frente da psicanálise e nossa atitude (a da psicanálise), deve antes, ser a de reverência. E é com vistas ao fato de que a literatura nos abre caminho é que nos vemos metidos, hora ou outra, com uma poesia aqui, um conto ali... e a segunda razão para termos convidado Wally, foi porque ele, primeiro em um trabalho de graduação e agora no mestrado, foi buscar na psicanálise algumas articulações e eu, particularmente, estava muito curiosa sobre essas articulações que ele andava fazendo.
Certamente que não conseguirei colocar toda nossa conversa nesse post, mas vou pincelar alguns pontos que me convidaram à reflexão.
Com trabalho de mestrado intitulado “Gozo e differànce na obra de Evando Nascimento” algumas coisas já ressaltam aos nossos ‘ouvidos psicanalíticos’: noção de gozo numa obra literária. Opa! Então calma, essa noção de gozo é a mesma de Lacan?! Não. Wally trabalha com a perspectiva de Jacques Derrida e sobre o que este articula sobre a ESCRITA. Vale a pena entender como Derrida vai à psicanálise para formular sua noção de psiquismo como máquina de escrita e também sua noção de traço. Vou deixar no fim desse post um link do artigo do Joel Birman sobre o assunto. Wally, a partir da noção de gozo de Derrida e de Evando Nascimento, articula o processo de escrita e gozo. Nas palavras de Wally: a escrita sairia como um jato! O gozo seria nesse caso um processo positivo onde o sujeito que escreve, se vê nesse processo que é de uma transgressão, segundo os autores, podendo gozar de um “espaço de liberdade” onde ele escreve, reescreve, conta, remonta, sua própria história, mas também a história de outros que coincide em sua escritura. Aqui a escrita ‘perde’ certo caráter identitário e é então vista do ponto onde o sujeito que escreve, ainda que localizado em um tempo/espaço, fala não somente de seu eu, mas fala de uma trama complexa entre si-outros.
Aí vocês devem estar se perguntando, o que isso tem a ver com psicanálise? A meu ver, isso tem muito a ver! Uma análise se passa, entre outras coisas, por esse processo de CONTAR-SE. Processo em que o sujeito ao contar sua própria história, vai ESCREVENDO e construindo, a partir de seu ‘saber não sabido’. O sujeito ao falar de seus sintomas, ao construir sua história que é datada e localizada, mas não inteiramente sua, poderá daí extrair sua singularidade, sua diferença e com ela fazer melhor.
Nas palavras de Dominique Fingermann: “Reverenciamos a façanha do poeta, do escritor, do artista em produzir e compartilhar com o outro, como num passe de mágica, o que numa análise pode, eventualmente, se produzir de melhor no final, mas ao preço de uma longa travessia. O que pode se produzir de melhor numa análise é que a extrema singularidade de um sujeito [...] possa ser, no final das contas, destacada e extraída dos sintomas”.
Pistas para reflexões futuras: contar-se, escrever, escrita, fala, isso tudo não tem a ver com o que Lacan propõe sobre o inconsciente, que este é estruturado como LINGUAGEM? Bora conversar sobre?!
Leiam:
Joel Birman – Derrida e a Psicanálise
https://revistacult.uol.com.br/home/derrida-e-a-psicanalise/
Dominique Fingermann - Psicanálise e literatura em Lacan
Revista Cult, edição especial Jacques Lacan